Segundo as autoras Mariê Moreira de Oliveira, Raquel Messi Falcoski e Mariana Ribeiro Maniglia, Projeto Ciência da Vida, USP, um dos aspectos mais extraordinários do comportamento animal é a capacidade de modificar sua ação através da aprendizagem, uma aptidão que atinge seu ápice nos seres humanos, uma vez que somos capazes de aprender de forma intencional e sistemática (Paz & Calafate, 2021).
O processo de aprendizagem pode ser analisado sob diversas perspectivas de acordo com o aspecto teórico abordado.
De modo geral, a aprendizagem pode ser definida como um processo de aquisição de conhecimentos, competências, habilidades e atitudes, cujo resultado é a modificação do comportamento.
Esse processo envolve, portanto, conceitos, generalização, análise, síntese, raciocínio teórico, pensamento lógico e desenvolvimento cognitivo, afetivo, subjetivo e social.
Esse fenômeno pode ocorrer por meio de experiências, observação, estudo e raciocínio.
Dentre os diversos modelos de processos de aprendizagem existentes, todos eles convergem para três principais domínios: psicomotor, cognitivo e afetivo (Franco, 2009).
O domínio psicomotor, está relacionado com a utilização coordenada dos músculos e caracteriza-se pelo indivíduo adquirir conhecimento e desenvolver habilidades com relação ao uso dos movimentos básicos e primordiais para a vida.
O domínio cognitivo, que possui relação com a intelectualidade e as capacitações, abrange a aquisição de informações através do uso da memorização, da análise, da avaliação, da compreensão e síntese.
Por fim, temos o domínio afetivo, relacionado às emoções, sentimentos e gostos que auxiliam a desenvolver as habilidades de aceitação, valorização, receptividade, entre outros (Ferraz & Belhot, 2010).
A memória é essencial para que ocorra a aprendizagem.
Esse processo se dá através de uma sequência: codificação, armazenamento e recuperação da memória.
A codificação é a primeira etapa e requer a atenção do indivíduo, ou seja, ela é ativa e seletiva.
A forma como nós codificamos uma informação está diretamente relacionada à forma como ela será armazenada.
Sem codificação, não há armazenamento e consequentemente não há consolidação de memória (Baddeley, Eysenck & Anderson, 2014).
Por isso, a atenção tem um papel essencial para a percepção, linguagem e memória.
Diversos estudos no campo da investigação sobre a atenção identificaram diferentes regiões encefálicas envolvidas, como o lobo parietal, a amígdala e o giro cingulado.
A estreita relação entre córtex cerebral, estruturas encefálicas subcorticais, aferências sensoriais e funções cognitivas (entrada, processamento de estímulos internos e externos e resposta) é primordial para o processo de aprendizagem (Paz & Calafate, 2021; Nunes, 2018).
De modo geral, a atenção pode ser definida como voluntária e involuntária.
A involuntária é de origem biológica, atraída fortemente por estímulos externos, produto de uma tendência natural da atividade psicológica para as demandas sensoriais e sensitivas sem a intervenção da consciência.
A atenção voluntária é aquela que exige um certo empenho no sentido de orientar a atividade psicológica para determinado fim, no entanto, o grau de concentração da atenção sobre determinado objeto não depende apenas do interesse, mas também do estado psicológico do indivíduo (Nunes, 2018).
O segundo passo é o armazenamento, podendo utilizar o armazenador de longo prazo ou de curto prazo.
O que irá determinar para qual armazenador a informação vai é o quanto essa informação é necessária para a nossa sobrevivência.
Por exemplo, armazenar o local onde o carro está estacionado no shopping é necessário somente a curto prazo, não enviamos essa informação para a memória de longo prazo.
Já um acontecimento emocionalmente marcante, geralmente é armazenado na memória de longo prazo.
O processo de escolha do armazenador pode ou não ser consciente (Baddeley, Eysenck & Anderson, 2014).
Finalmente, a recuperação da memória está relacionada ao como nós trazemos para a consciência uma informação que estava armazenada.
A recuperação pode ser evocada livremente, como ao perguntarmos: o que você almoçou hoje?
Você irá evocar livremente tudo o que tinha no almoço.
Alternativamente, a recuperação pode ser por reconhecimento. Por exemplo, sua resposta será sim ou não ao questionarem: você almoçou arroz hoje?
Nesse último exemplo, você somente reconheceu se havia ou não o elemento “arroz”.
A recuperação através do reconhecimento é mais simples do que a evocação livre.
Esse processo é bem conhecido pelos estudantes!
Em uma prova de múltipla escolha, o estudante evoca uma informação através do reconhecimento.
Já uma prova aberta exige que o estudante estruture sua resposta e evoque-a livremente dos conhecimentos adquiridos (Baddeley, Eysenck & Anderson, 2014).
Sendo assim, a consolidação de uma aprendizagem se dá através das etapas de codificação, armazenamento e recuperação de uma informação.
O encontro entre novas informações relacionadas com um conhecimento prévio pode desencadear a integração de informações, por meio da qual acontece uma atualização das memórias estabelecidas e são incorporados novos conteúdos (Paz & Calafate, 2021).
O registro permanente, ou seja, a consolidação de uma memória de longo prazo, envolve diferentes níveis de processamento e podem ocorrer a partir da repetição e associação.
Na consolidação, que se trata dessa permanência do registro, ocorrem alterações neurobiológicas como, por exemplo, o fortalecimento de sinapses.
Para a aprendizagem, portanto, quanto mais diversificada for a experiência, proporcionando situações de aprendizagem ricas em estímulos e fomentando atividades intelectuais, melhor essa será assimilada e consolidada, se fixando, portanto, na memória de longo prazo (Mapurunga & Carvalho, 2018).
A aprendizagem e as emoções
As emoções são um fator preponderante, recentemente descobertas, para a aprendizagem e estão diretamente relacionadas aos estados psicológicos do indivíduo, portanto, guiam e suportam as funções atencionais, e estas guiam as funções cognitivas de processamento perceptivo, simbólico e lógico, assim como as funções executivas de resolução de problemas.
Além disso, as emoções alteram a fisiologia do organismo visando aproximação, confronto ou afastamento e frequentemente costumam determinar a escolha das ações que se seguirão, sendo assim, um importante sinalizador interno, que além de nos mobilizar às ações, é um eficiente mecanismo de comunicação intragrupal, uma vez que podemos reconhecer as emoções uns dos outros (Cosenza & Guerra, 2011).
As emoções capturam a atenção e ajudam a memória, tornando-as mais relevantes e claras.
A ativação da emoção desencadeia vínculos que fortalecem as funções cognitivas, o que pode facilitar a aprendizagem. No entanto, o estresse possui efeito contrário (Carvalho, Junior & Souza, 2019).
Por esse motivo, podemos afirmar que em um ambiente de segurança afetiva, o cérebro humano funciona em toda sua capacidade, e as emoções abrem caminho às cognições.
Por outro lado, em um ambiente de ameaça, opressão, humilhação ou desvalorização, o sistema límbico bloqueia o funcionamento das funções cognitivas que possibilitam o acesso às aprendizagens simbólicas e à resolução de problemas complexos exclusivos da espécie humana (Fonseca, 2016).
Projeto Ciências da Vida na Escola, autores Mariê Moreira de Oliveira, Raquel Messi Falcoski e Mariana Ribeiro Maniglia – Neurociência Aplicada à Educação, CVE2022/USP Extensão. Projeto Ciências da Vida na Escola, autores Mariê Moreira de Oliveira, Raquel Messi Falcoski e Mariana Ribeiro Maniglia.
Estratégias de Aprendizagem
As estratégias de aprendizagem são amplamente abordadas nos sistemas de ensino de modo geral, porém sua neurobiologia é pouco compreendida.
Essas estratégias tratam-se de técnicas ou métodos que as pessoas utilizam para adquirir informação.
No contexto dos professores, as estratégias de aprendizagem podem ser consideradas como sequências de procedimentos ou atividades que são planejadas com o intuito de facilitar a aquisição, o armazenamento e/ou a utilização da informação pelos estudantes.
Em estudos relacionados ao tema se considera que as sinapses poderiam mediar a aprendizagem de duas formas: habituação e sensibilização.
Na habituação a aprendizagem estaria enfraquecida com a estimulação repetida, uma vez que menos neurotransmissores seriam liberados quando um potencial de ação é propagado.
Por outro lado, na sensibilização, a resposta ao aprendizado seria mais forte, com maior liberação de neurotransmissores como a acetilcolina e a dopamina (Mapurunga & Carvalho, 2018).
Alguns pesquisadores diferenciam as estratégias de aprendizagem em três grupos:
- estratégias cognitivas (estratégias de ensaio, elaboração e organização),
- estratégias metacognitivas (estratégias de planejamento, monitoramento e regulação), e
- estratégias de administração de recursos (administração de tempo, organização dos ambientes de estudo, administração do esforço e busca de apoio a terceiros).
As diferentes estratégias de aprendizagem se utilizam de diferentes competências e quanto mais diversificada for essa experiência, melhor será assimilada e consolidada (Dembo, 1994).
Em função dessas descobertas, as metodologias ativas de ensino-aprendizagem estão ganhando cada vez mais espaço no cenário educacional e podem ser compreendidas como um conjunto de ações educacionais organizadas e planejadas pelo professor, na qual o estudante percebe uma relação horizontal, uma alternativa de mudar o foco do ensinar (centrado no professor) para o aprender (foco no estudante).
Também são baseadas em alguns princípios, como a personalização da aprendizagem e contribuem no sentido de incentivar os alunos para que aprendam de forma autônoma e participativa, a partir de problemas e situações reais, provocando assim, uma maior sensibilização em relação ao conhecimento, ao contrário da exposição massiva e passiva de conteúdo como ocorre no modelo tradicional de ensino, relacionado a mediação da aprendizagem ao conceito de habituação (Versuti et al., 2021).